quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ela, inteira


Depois de algum tempo, de maneira diferente, sem retirar nenhuma peça de roupa, ela despede-se por completo diante de mim pela primeira vez. Com dificuldades, suas camadas protetoras vão caindo uma a uma. Surge a garota que vislumbrei na noite soturna de um pesadelo real: frágil e inteira. Sua companheira fiel, a verdade, manda o silêncio como mensageiro — para em seguida imperar solene no ambiente. Consigo, então, sentir a tristeza partir de sua alma e me atingir com força. Um choro belo e digno desenha-se de maneira suave em seu rosto. Dou-lhe um abraço carinhoso, na tentativa sincera de conforto. Estranhamente vazio, percebo: o corpo que envolvo leva uma carga de sofrimento tão grande e diferente da que carrego. Como atenuar tamanha dor que insinua deixar profundas marcas? Por que ela precisa passar por isso? Que malditas circunstâncias a puseram frente àquela situação? Sigo falando e ouvindo, procurando dar-lhe consolo. Por dentro, no entanto, impotente, sem encontrar soluções às minhas perguntas, sou eu agora que choro sem verter uma única lágrima. Compartilhando culpas e pecados, assim enfrentamos a escura madrugada, até o primeiro raio de sol iluminar tudo com clareza definidora. Para nós, as manhãs jamais existiriam. Elas pertencem somente aos puros de coração.


domingo, 17 de junho de 2012

Corram, garotos, corram!



Para Ronaldo e Marcos

À noite, dois garotos correm numa rua sem pavimento. Eles têm cinco minutos para percorrer a distância de 800 metros entre a festa no clube, e a segurança do lar. Não é uma disputa, é uma corrida solidária contra o relógio e o destino. Lado a lado, pelo deserto percurso em linha reta, entrecruzam olhares de incentivo. Os ligeiros pés juvenis vão deixando mais do que uma cortina de pó levantada pelo caminho, ficam para trás a infância e uma infinidade de possibilidades. São irmãos que, unidos, cumpriam a exigência paterna: sempre retornar às 22h. Se a rigidez era uma questão disciplinar, obedecida por ambos com naturalidade, àquela época, a vida tratou de lhes oferecer visões diferentes com o passar do tempo. Tantos anos depois, ainda os vejo correndo por aí. Não mais ombro a ombro. Sem perceber, eles se perderam em alguma encruzilhada. Estão distantes, correm agora em ritmos diferentes. A ajuda permanece, os olhares também — mesmo que longínquos. Mas a poeira... Extenuado, é pelo rastro dela que os localizo nesta difícil e longa corrida coletiva na qual nunca existirão vencedores, e cuja linha de chegada todos nós alcançaremos sozinhos, cedo ou tarde. Corram garotos, corram, eu estou atrás de vocês.


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