sábado, 26 de janeiro de 2013

Pequeno mundo meu




Volto aos lugares da infância. Da casa dos primeiros anos restam somente algumas paredes de madeira sobre a cozinha de azulejos brancos. A despensa com os mantimentos, e o cheiro inconfundível da mistura de farinhas e arroz, permanecem. Minha avó se foi. Vi apenas o menino com sarampo, afastado da escola, e aprendendo a ler com as revistas de histórias em quadrinhos. Encostado na beirada do já não ameaçador poço artesiano, me acena — na mão, um corte e a tentativa de estancar o sangue com um curativo recheado de pó de café.

O imponente colégio transformou-se em mais uma escola e Faculdade. Acabaram com o meu bosque particular. A alameda de frondosas árvores não passa agora de um acesso asfaltado, com uma guarita de segurança a fim de controlar a entrada dos alunos. Ao longe, vejo novamente o garoto tímido sentado num banco do pátio, com as mãos nos joelhos. Solitário e envergonhado. Abanei para ele, mas cabisbaixo não notou minha presença.

Nos muros externos do grupo escolar, as pinturas de bandeiras de diversos países deram lugar às pichações de símbolos incompreensíveis. Outrora bem conservado, sobrevive hoje no abandono. Na quadra de esportes esburacada, a bola tem dificuldades para rolar, e as crianças não parecem tão felizes. Do lado oposto do pátio interno, enxergo outra vez o menino. Ele beija delicadamente a testa de sua namoradinha de turma, que chora por ter machucado a cabeça numa queda durante o recreio. Seu olhar me encontra e pede aprovação pelo ousado ato. Sorrio numa resposta afirmativa.

A ladeira deixou de ser assustadoramente íngreme. Acho que o tempo tratou de aplainar a pequena montanha urbana, ainda serpenteada pela rua coberta de paralelepípedos. Dos adultos que caminhavam por ali, nenhum apresentou qualquer leve semelhança física com os amigos das peladas vespertinas improvisadas no que sobrou de grama do campo de futebol do bairro. Subi um pouco da lomba, e vi o mesmo menino de antes cruzar por mim, montado numa bicicleta descontrolada. Em desespero descia a colina, tentando domar o veículo em disparada e sem freios. Atrás dele um garoto maior corria preocupado, gritando por seu nome. Ele o alcança no sopé, quando os dois então conversam entre choro e gargalhadas. Também não consigo conter o riso, assim como uma única lágrima.

Viajante imóvel do passado, vejo o pequeno mundo meu — maior. Se à primeira vista tudo me parece menor entre tristezas, distâncias, tamanhos e velocidades, rever aquele menino permanecendo intocável em sua honestidade, confere uma nova dimensão de grandeza a estes acontecimentos de minha vida. Eles desmentem o que eu dava como definitivamente perdido: sim, o menino vive, e ainda há esperança.




sábado, 12 de janeiro de 2013

Deixar de existir


Cansei. Chega de percorrer caminhos variados para ao final descobrir que todos levam a um idêntico destino. Basta de se iludir e acreditar que um dia será diferente do outro. Ainda que diante de tanta beleza, o sol nasce e se põe eternamente nos mesmos lugares. Quero deixar de existir. Tudo porque não há mais motivos para procurar a essência de teu ser em todas as coisas, nas bulas de remédios, nos rótulos dos produtos expostos nas gôndolas dos supermercados. Abandono agora a neurose coletiva de adquirir, pois constatei que, imerso nela, minha alma fica cada vez mais pobre sem ti. Maldita noite reveladora aquela na qual você conheceu o meu eu que não deveria nunca existir, e eu percebi que realmente te amaria para sempre. Como não posso mais te atingir, só me resta desaparecer, voltar à natureza, me reduzir a pó, me misturar ao vento que ajuda a mover os teus cabelos, quando vais e volta, ao andar no balanço que tanto te faz feliz.



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...