sexta-feira, 6 de julho de 2012

Eu no espelho


A sonolência daquela manhã de inverno é espantada pela água fria que as mãos em concha jogam no meu rosto. Ela me desperta também para outra realidade. Diante do espelho do banheiro deparo, perplexo, com um sujeito que desconheço. Não era o olhar recíproco, o causador da estranheza. Tampouco a rápida convicção de que as marcas do tempo realmente tinham chegado àquela face cansada. Permaneci imóvel alguns minutos assim: contemplando, e sendo contemplado. A figura melancólica e atormentada à minha frente era eu, sem dúvida. Mas que diabos era eu, que nem o próprio reflexo reconhecia? Pensei, então, que poderia ter flagrado uma das imagens do eu projetadas em mim, pelos outros. Corresponderia a qual verdade, a imagem feita de mim por minha família, por exemplo? Não seria a mesma desenhada por meus amigos, por sua vez diferente daquela criada pelas pessoas onde trabalho. Seria apenas um eu, de múltiplas imagens? Teria, num descuido de sonolenta imagem invertida, reflexo de espelho, visualizado uma destas projeções? E o mais assustador de tudo, descobrir ser ela tão diferente da imagem que tenho de mim mesmo? Trinta segundos com o rosto mergulhado na pequena piscina formada na pia pela torneira aberta, me devolvem ao mundo dos normais. Volto a defrontar-me com a figura refletida. Agora sim, um esboço de sorriso e a tímida esperança nos olhos, conferem com a imagem adequada para enfrentar mais um dia burocrático dentro da pequena vida prosaica.


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