Chico: longa espera noite adentro


O felino aguarda sua dona no conforto acolhedor do quarto à meia-luz. Já é tarde da noite e Chico, o gato, permanece há algum tempo estirado sobre a cama. Os dedos de Morfeu custam-lhe a tocar as têmporas. Ao redor, o ambiente do aposento obedece a uma desorganização própria: cada coisa está desarrumada em seu devido lugar. Chama atenção sua foto emoldurando um porta-retratos no espaço nobre da cômoda.

Aos poucos ele vai se acostumando à nova rotina da menina-mulher. Esperar, sem saber seu paradeiro ou horário de retorno, é o que lhe resta. Resignado, se dá por satisfeito só ao imaginar as carícias e afagos a receber assim que ela ultrapassar a porta que os olhos semicerrados fitam. As mãos quentes em seu pelo, o salto planejado em cima do colo macio... O ninho aconchegante formado por suas pernas.

Algo, contudo, o deixa preocupado: a menina-mulher não é mais a mesma. O corpo de desenho adolescente traz agora odores alheios, imperceptíveis ao olfato humano. Já o faro de gato aponta uma mistura do suave perfume usual com o cheiro de outros corpos. Uma mistura que a simples água insiste em não retirar por completo dos poros. A alma também parece menor, como a faltar-lhe pedaços. A sensibilidade felina apreende a modificação. A condição animal lhe impossibilita a ajuda.

O rangido tradicional das portas indica a chegada. Tudo o que havia imaginado acontece. Aos pés da cama, Chico dorme feliz, zelando por instantes o sono de sua dona.




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