A
sonolência daquela manhã de inverno é espantada pela água fria que as mãos em
concha jogam no meu rosto. Ela me desperta também para outra realidade. Diante
do espelho do banheiro deparo, perplexo, com um sujeito que desconheço. Não era
o olhar recíproco, o causador da estranheza. Tampouco a rápida convicção de que
as marcas do tempo realmente tinham chegado àquela face cansada. Permaneci
imóvel alguns minutos assim: contemplando, e sendo contemplado. A figura
melancólica e atormentada à minha frente era eu, sem dúvida. Mas que diabos era
eu, que nem o próprio reflexo reconhecia? Pensei, então, que poderia ter
flagrado uma das imagens do eu
projetadas em mim, pelos outros. Corresponderia a qual verdade, a imagem feita
de mim por minha família, por exemplo? Não seria a mesma desenhada por meus
amigos, por sua vez diferente daquela criada pelas pessoas onde trabalho. Seria
apenas um eu, de múltiplas imagens?
Teria, num descuido de sonolenta imagem invertida, reflexo de espelho,
visualizado uma destas projeções? E o mais assustador de tudo, descobrir ser
ela tão diferente da imagem que tenho de mim mesmo? Trinta segundos com o rosto
mergulhado na pequena piscina formada na pia pela torneira aberta, me devolvem
ao mundo dos normais. Volto a defrontar-me com a figura refletida. Agora sim,
um esboço de sorriso e a tímida esperança nos olhos, conferem com a imagem
adequada para enfrentar mais um dia burocrático dentro da pequena vida
prosaica.
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