Desde
que as noites passaram a ser mais longas, compreendi a real dimensão do
silêncio. Ele, que todos acreditam residir nas trevas das ruas, no apagar das
lâmpadas caseiras, no breu íntimo e seguro dos quartos. Sim, tenho uma grande
verdade a revelar: o silêncio absoluto não existe. E enquanto todos dormem, me
foi concedida a oportunidade de desvendar o que há por trás da aparente
ausência de som.
De
início, quando na madrugada o relógio só faz “tic”, um simples estalar de
madeira do móvel da sala podia ser para mim o invasor noturno. Corria, então,
em sobressalto, a fim de verificar a possibilidade. Período terrível, no qual o
medo viajava em ondas sonoras. Com o tempo, as poucas horas de sono foram
apurando-me o sentido — educando o ouvido,
como gosto de definir. Passei a entender os ruídos caseiros, e a
tranquilizar-me. O estágio seguinte passou pelos grilos do jardim. A falta do
que fazer era tamanha, que o grau de abstração desenvolveu-se a ponto de decodificar
a linguagem destes insetos cantores da noite, autores de belas canções. Depois,
os tímpanos sensíveis começaram a captar os cadenciados batimentos cardíacos da
pessoa que repousa ao meu lado. Podia “sentir” o sangue sendo bombeado e correr
pelas artérias. Sem dúvida, uma experiência fantástica. Como último nível nessa
escalada auditiva, que me consumiu certamente alguns anos de vida, hoje posso
ouvir o ronco emitido pelo vizinho da casa contígua, e diagnosticar a provável
apneia mortal que o aguarda. Consigo até mesmo reconhecer, pela descarga do automóvel
que desce a terceira rua à esquerda, qual a marca, potência, e quão desregulado
está seu motor.
Não
duvide, amigo leitor. A insônia pode conceder-lhe poderes inimagináveis.
Deixar-se levar pela escuridão até descobrir a verdade do silêncio, no entanto,
tem seu preço. A ser cobrado em algum momento. Ao traçar mentalmente estas
linhas imaginárias em mais uma noite sem dormir, fico pensando, temerário,
quando e como será feita essa cobrança.
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