O Paraíso era ali


Repetia a operação de guerra algumas vezes durante a semana. Pulava o muro, subornava a cadela com um carinho — obtinha o desejado silêncio — e seguia na pouca luz lendo em braile as imperfeições do reboco das paredes que me conduziam à porta dos fundos de sua casa. O código secreto das batidas na madeira funcionava, e ela surgia iluminada. O medo da noite, então, desaparecia. Pé por pé, me guiava pela mão até seu quarto. No andar acima a mãe dormia, ignorando a única presença masculina por anos, naquele lar incompleto. Depois de fechar a porta com cuidado, a cama de solteiro ali instalada reconhecia a nossa presença. Pequena e estreita, parecia mais do que adequada ao propósito: a fusão de dois corpos enamorados. Em seus braços, lembro de nunca ter me sentido tão seguro. Ao repousar cansado sobre sua carne macia e branca, esquecia até de quem realmente era. Um amor que não me enchia de esperança — sentimento que pouco alimentava à época. O que vivíamos ali era tudo, e assim podia acabar, pois seria o melhor final. E quando à noite chovia, e eu acreditava que as gotas batendo forte no vidro da janela eram as lágrimas de dor e tristeza do Mundo, meu corpo buscava o paraíso de seu delta e nada mais importava. Ela dormia, e eu, tranquilo, sorriso nos lábios, ouvia distante os primeiros acordes das trombetas a anunciarem o Apocalipse.


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