quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A vacina




Para a Patrícia
Cheguei até ela doente de amor. O vírus já devastara meu coração, e o pouco da energia restante usava-a para manter a lucidez que falta aos apaixonados desiludidos. Estranha doença essa capaz de infligir tanta dor e levar à morte, mas que, sob controle, ninguém pode viver sem — e dizer-se feliz. Seu tratamento não é fácil, exige esforço e o uso contínuo de uma espécie de vacina: o próprio vírus modificado. “Só o amor cura o mal causado pelo amor”, disse ela sussurrando-me ao ouvido. Depois de vários anos, suas palavras ainda ressoam verdadeiras, pois assim se fez. Manhãs de inapetência: afeto e tolerância. Tardes febris: música e mútuo conhecimento. Noites delirantes: carinho e poesia. E o tempo... Tive a sorte de encontrá-la. A convalescença me ensinou: todos nós carregamos o vírus e a capacidade de infectar. Somente algumas pessoas, no entanto, desenvolvem a vacina e o dom da cura. Agora, enquanto escrevo, pelo reflexo da tela do computador, vejo sua chegada. Sinto uma respiração quente, o envolver carinhoso de seus braços, e o pressionar dos lábios em minha nuca. É ela a me administrar mais uma dose de seu remédio salvador.



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