sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O silêncio dos não tão inocentes


Desde que as noites passaram a ser mais longas, compreendi a real dimensão do silêncio. Ele, que todos acreditam residir nas trevas das ruas, no apagar das lâmpadas caseiras, no breu íntimo e seguro dos quartos. Sim, tenho uma grande verdade a revelar: o silêncio absoluto não existe. E enquanto todos dormem, me foi concedida a oportunidade de desvendar o que há por trás da aparente ausência de som.

De início, quando na madrugada o relógio só faz “tic”, um simples estalar de madeira do móvel da sala podia ser para mim o invasor noturno. Corria, então, em sobressalto, a fim de verificar a possibilidade. Período terrível, no qual o medo viajava em ondas sonoras. Com o tempo, as poucas horas de sono foram apurando-me o sentido — educando o ouvido, como gosto de definir. Passei a entender os ruídos caseiros, e a tranquilizar-me. O estágio seguinte passou pelos grilos do jardim. A falta do que fazer era tamanha, que o grau de abstração desenvolveu-se a ponto de decodificar a linguagem destes insetos cantores da noite, autores de belas canções. Depois, os tímpanos sensíveis começaram a captar os cadenciados batimentos cardíacos da pessoa que repousa ao meu lado. Podia “sentir” o sangue sendo bombeado e correr pelas artérias. Sem dúvida, uma experiência fantástica. Como último nível nessa escalada auditiva, que me consumiu certamente alguns anos de vida, hoje posso ouvir o ronco emitido pelo vizinho da casa contígua, e diagnosticar a provável apneia mortal que o aguarda. Consigo até mesmo reconhecer, pela descarga do automóvel que desce a terceira rua à esquerda, qual a marca, potência, e quão desregulado está seu motor.
 
Não duvide, amigo leitor. A insônia pode conceder-lhe poderes inimagináveis. Deixar-se levar pela escuridão até descobrir a verdade do silêncio, no entanto, tem seu preço. A ser cobrado em algum momento. Ao traçar mentalmente estas linhas imaginárias em mais uma noite sem dormir, fico pensando, temerário, quando e como será feita essa cobrança.



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Morrer para viver



Aos que desejam morrer por amor
A cada novo encontro, ao te ver, as batidas do meu peito acompanham o ritmo acelerado de um tango eletrônico — numa cadência que funde estranhamente alegria e tristeza.  Contrariando a lógica da paixão, porém, basta minha pele sentir a tua para as batidas diminuírem de intensidade. Ao juntar meu corpo ao teu, ao pressionar tua boca a minha até quase dividirmos o mesmo oxigênio, um desconhecido desejo ordena agora o pulsar lento, num anseio doentio por sua total parada. Neste intento, meu coração passa a seguir o compasso do samba de uma nota só. Um bumbo atravessado de quando em quando, um leve sacolejo de tamborim, e nada mais. Talvez ele saiba que morrer em teus braços seja viver para sempre.



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