Para a Isadora (no futuro)
É o fim? Não chores sobre
o que já
não sou. Te
peço somente que
me enterres no alto
daquela colina. Uma cova
de pouca profundidade,
para assentar o meu corpo na terra crua. Não quero
moedas nos
olhos para o barqueiro, apenas
uma semente de figueira
na mão fechada. Um
último adeus,
punhados de terra,
nenhuma lápide, e que me
leves no coração. Do resto, a natureza se encarrega. A chuva,
o sol, os nutrientes
da decomposição, a semente.
Se tiveres muitas saudades,
visita-me. Aceitarei de bom grado algumas lágrimas
tuas a irrigar o solo
onde germino. Assim
como estendi a mão
para te erguer nos primeiros passos,
ajuda-me agora a ficar
em pé
e resistir às tempestades,
cravando uma guia de madeira no qual
possa crescer amparado, nos
primeiros anos.
Quando voltares,
já poderei te
oferecer uma sombra.
Finalmente conseguirás observar
e entender a calma
do mundo através
de mim. Deitada na grama
verde, verás, por entre
as folhas, as nuvens
levadas pelo vento. E se
o tempo não
permitir erguer meus netos, amarra um balanço nos fortes galhos,
e deixa-os brincar comigo.
Sob a minha
copa, quero que
promovas piqueniques, contemples o pôr do sol, caces vaga-lumes. Coisas
que nunca
fiz contigo alegando tantos motivos.
Traz os teus problemas
e conta-os baixinho, abraçada ao meu tronco. Te
ouvirei atentamente, enquanto renovo o ar que tu respiras. Me
ajuda a ser aquilo que eu não soube ser. Me transforma
naquilo que não
pode mais causar
mágoas e dores.
Não mais
eu, nem
eu-árvore, eu como
parte de tudo.
Não minha
filha, não
é o fim! Talvez
o começo.