Debaixo dos caracóis



Descobri o que poderia ser, caso não fosse este humano insignificante e triste. Enquanto alguns se imaginam cavalos selvagens, cães afáveis, gatos independentes, golfinhos alegres, tubarões predadores, guepardos velozes, hienas oportunistas, águias observadoras, leões soberanos, eu me vejo um caracol. Um pacífico e solitário molusco gastrópode. E, ao contrário do que muitos possam pensar, não me sentiria desonrado ou enojado por pertencer à família dos limacídios. Assim como seus integrantes, também me arrasto lentamente por aí, à procura de um lugar úmido, pouco luminoso e de certa aparência melancólica — o sonho de um pequeno jardim abandonado. Levo nas costas não uma concha-casa, mas uma concha-refúgio, à qual recorro nos momentos em que jogam sal sobre a pele fina e sensível. Nestas situações, “nós”, os caracóis, precisamos nos proteger na frágil couraça, a fim de não sucumbirmos desidratados pela perda de água e lágrimas. Ali ficamos, entocados e seguros. Uma segurança que beira a indiferença, e incomoda aqueles que não entendem e nos provocam, à espera da reação desejada: “O bicho tá vivo, ou morto?” E assim vamos seguindo: motivo de asco para alguns, iguaria gastronômica para outros, praga da lavoura para poucos. Escalando paredes, pedras e árvores, deixando um rastro que depois de seco torna-se brilhante e efêmero, após o cair da primeira leve chuva.


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