Ouço
batidas à porta, enquanto observo solitário pela janela da sala o entardecer
tardio dos primeiros dias de verão. Tudo parece ser motivo de felicidade
naquele domingo tranquilo, mas abro a porta e me deparo com a senhora Tristeza.
A visita mais indesejada por todos, temida pelos eternos alegres, os festeiros
de plantão, os tolos, e os ignorantes. Para mim, no entanto, ela já é uma velha
conhecida. Mais do que isso: uma amiga íntima, que ritualiza as batidas como
mera formalidade, exigida por sua milenar educação. A etiqueta impõe, e eu
retribuo. Cordialmente a convido para entrar e acomodar-se. A silhueta elegante
desfila pelo ambiente em seus trajes cinza, ao mesmo tempo em que espalha um
perfume melancólico no ar. Senta-se, então, na minha poltrona favorita. Acomodo-me
no sofá, distante alguns metros, quando admiro com calma novamente o seu rosto.
Poucos sabem, mas a Tristeza é bela. Dotada de uma face de traços suaves, quase
angelicais, pele alva, cabelos e olhos negros como noite sem estrelas — não
aparenta a idade que tem. Diria que possui uma beleza amedrontadora que requer,
de mim, um respeito capaz de impedir qualquer olhar de desejo. Nossa relação
tem papéis bem definidos, e que passam longe do amor ou da paixão. Sempre a
tratei, desde a minha infância, com a dignidade que merece. Jamais lhe virei o
rosto na rua, ou fingi não reconhecê-la diante das situações mais corriqueiras.
Nunca lhe dei as costas ou corri a me esconder numa noite festiva de amanhecer
vazio. Ela, por sua vez, talvez encantada com o tratamento, me ensinou a ver o
mundo de outra forma. Naquele início de noite conversamos sobre assuntos
atuais, assistimos TV (rindo e chorando com uma tragicomédia), e fizemos
silêncio ao ouvir algumas canções de Jens Lekman. Duas horas depois, afirmando
compromissos, ela pede licença para se retirar. Digo que não preciso
acompanhá-la até a porta, sempre aberta às suas visitas. A Tristeza me sorri
agradecida. Ao sair, peço a gentileza de não fechar a porta, pois sinto que sua
irmã, a Alegria, já se aproxima para me confirmar que, na vida, tudo tem o seu
momento.
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